Pródigo em conceber verdadeiras bestialidades tributárias, dignas de figurar como atração de um circo de horrores, o Brasil novamente se destaca negativamente, jogando no colo de milhões de empreendedores obrigações capazes de deixar de cabelo em pé até os mais renomados especialistas no tema.
Embora este assunto seja foco de discórdia entre os estados há muito
tempo – e muitas tentativas de acabar com a guerra fiscal tenham sido
levadas a cabo –, o ICMS recolhido nas vendas interestaduais pelo
consumidor final continua causando grande confusão nas empresas. O
último ato desta trama sem fim é o Diferencial de Alíquota (Difal).
Ainda que tenha sido criado para equilibrar a balança e proteger a
competitividade do estado onde o comprador reside – especialmente por
causa do crescimento do e-commerce no país, somente com o estado de São
Paulo concentrando 44% do total –, na prática, o Difal tem contribuído
para gerar ainda mais dúvidas e confusão.
Em que pese à chegada do Convênio ICMS 93/2015 merecesse crédito, o
problema só cresceu. Se antes o recolhimento estava restrito apenas aos
consumidores e aos contribuintes do ICMS, agora o Difal também deve ser
aplicado nas operações interestaduais para consumidor final e não
contribuinte do ICMS. Antes deste Convênio, porém, e dependendo da
legislação de cada estado, a diferença de alíquota no momento da
aquisição de uma mercadoria era assumida pela empresa compradora.
Segundo a tabela transitória das alíquotas trazida pelo Convênio, a
partilha do ICMS pago pelo contribuinte será feita entre a unidade
federada de origem e a de destino, na seguinte proporção – 2016 (60% /
40%), 2017 (40% / 60%), 2018 (20% / 80%) e 2019 em diante (100% do
imposto ficarão no destino).
Até aí, nada demais, entretanto a dificuldade começa quando, na
emissão da nota fiscal, a empresa vendedora precisa checar a alíquota do
ICMS, não somente do seu estado, mas sim de cada unidade federada de
destino da venda. Imagine o Brasil, enorme, com uma infinidade de
alíquotas, a dificuldade deste processo.
Após descobrir a diferença entre a alíquota do ICMS no estado de
destino e se naquela unidade federada existe fundo de combate à pobreza –
que geralmente eleva em 2% o ICMS –, é preciso entrar nos sites das
respectivas secretarias de Fazenda e emitir uma Guia Nacional de
Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE) para o estado de destino. Ao
pagar a guia, imprime-se o comprovante, juntando-o à nota fiscal. Só
depois disso é que a empresa pode enviar a mercadoria à transportadora.
Uma verdadeira epopeia burocrática, não é mesmo?
Para evitar o pagamento operação a operação, foi encontrada uma
solução à brasileira. As empresas estão abrindo uma inscrição estadual
em cada estado, ação que dispensa não o pagamento, mas a trabalhosa
apuração nas vendas interestaduais. Assim, o cômputo do Difal nas vendas
será feito mensalmente, a exemplo do recolhimento da GNRE.
Embora seja extremamente trabalhoso, este processo de administrar uma
inscrição estadual em cada um dos estados de destino não é impossível
de ser feito por grandes empresas, mas como ficam os pequenos
varejistas? Ao mesmo tempo será praticamente inviável para esses
empresários, ou uma dor de cabeça gigantesca, caso consigam executar
tudo isso.
Este absurdo tributário ensejou a interposição da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 5464, protocolada em 29 de janeiro deste ano
pela OAB, com apoio de entidades de classe, alegando, no Supremo
Tribunal Federal, a inconstitucionalidade do novo modelo do Difal.
O STF, no entanto, concedeu liminar em 12 de fevereiro dispensando
apenas as empresas do Simples Nacional do pagamento do Diferencial de
Alíquota. As demais empresas devem continuar a seguir os procedimentos.
Segundo o relator, ministro Dias Toffoli, a norma prevista na cláusula
nona do Convênio cria novas obrigações que ameaçam o funcionamento das
empresas optantes pelo Simples, e bate de frente com a Lei Complementar
nº 123, de 2006.
Há ainda uma segunda ADI (5469), proposta pela Associação Brasileira
de Comércio Eletrônico (Abcomm) que pede a concessão de medida cautelar
para suspender a eficácia dos dispositivos questionados até o julgamento
do mérito. A ADI ainda aguarda posicionamento do STF.
Mesmo que os estados percam a ADI e suspendam esse pagamento de forma
permanente, tenho certa incredulidade se as unidades federadas não vão
baixar uma lei complementar corrigindo o problema da
inconstitucionalidade e permanecendo com essa cobrança, visto que, em um
momento de crise como este, não vão querer perder mais receitas.
Sob este ponto vista, como o empresário deve proceder? Suspender o
pagamento? Pagar e pedir o ressarcimento depois? Não pagar, e se
precisar, pagar com multa depois? Excluir imediatamente dos custos dos
produtos essa redução dos impostos?
O STF foi extremamente razoável suspendendo o pagamento para empresas
do Simples Nacional. Eu acho que esses pagamentos não devem ser
efetivados, até porque já saíram alguns comunicados falando deste tema.
São Paulo, por exemplo, cita literalmente a suspensão da medida,
reforçando que as empresas não façam o recolhimento.
Mas se essa liminar, no julgamento do mérito, for caçada? Este é o
maior risco. O que acontece? Ou os estados devem conceder um prazo para o
pagamento deste imposto, ou a própria ADI deverá deixar claro que não
há decisão do Supremo. É uma caixinha de surpresas. Eu não duvidaria que
saísse uma determinação afirmando que as empresas só precisarão
recolher o Difal a partir da publicação da decisão.
Portanto, aguarde a decisão definitiva do Supremo para saber como
proceder. Não exclua o Difal dos custos, pois a sua empresa pode ser
chamada a pagar por esse período em que o recolhimento ficou suspenso.
Então, eu venderia agregando o custo do Diferencial de Alíquota no meu produto, depositaria esse valor
na poupança ou em uma determinada aplicação conservadora, até seja
finalizado o procedimento judicial. Só daí em diante é que tomaria o
caminho A ou B.
Tudo isto posto, creio que no caso do Difal perdeu-se a grande
oportunidade de se simplificar essa sistemática, ao deixar de usar a
Nota Fiscal eletrônica (NF-e) – que já tem todo o poder de informação
suficiente para permitir essas cobranças de forma automatizada – como
ferramenta central para este recolhimento. Até que as empresas sejam
“brindadas” com uma decisão norteadora, só resta cautela e, sempre que
possível, consultar o contador ou o advogado.
(*) Edgar Madruga é administrador de empresas, auditor, blogger
(www.edgarmadruga.com.br) e coordenador do MBA em Contabilidade e
Direito Tributário do Instituto de Pós-Graduação (IPOG).
Fonte: Jornal Contábil
Nenhum comentário:
Postar um comentário